Por Gusmão Neto
Pais, alunos e professores de Salvador vivem a expectativa do retorno às aulas na modalidade presencial após mais de um ano longe do convívio escolar. Esse retorno tem data para acontecer, dia 03 de maio, mas também tem dividido opiniões. É fato que esse longo período fora da sala de aula tem provocado prejuízos incalculáveis para o desenvolvimento dos alunos. Isso é indiscutível. Mas também há de ser levado em consideração o medo das famílias e dos professores de voltarem a ter contato no ambiente físico escolar. A prefeitura da capital defende o retorno e conclama os professores a voltarem para as salas. De outro lado, o sindicato que representa a categoria na rede pública, a APLB, defende o retorno somente depois que 100% dos trabalhadores receberem as duas doses da vacina. Para falar sobre o assunto, o Teia de Notícias fez uma entrevista exclusiva com o secretário de Educação de Salvador, Marcelo Oliveira, que assegurou que a rede municipal de ensino está totalmente preparada para o retorno. À nossa equipe, ele disse que somente nove escolas, num universo de 433, não conseguiram se adequar. Marcelo fala ainda que não há razões para os professores recusarem o retorno presencial. No bate-papo, Marcelo Oliveira revelou que vai doar um tablet para cada um dos cerca de 165 mil alunos da rede e um computador para cada professor municipal, como forma de amenizar as desigualdades entre a rede pública e privada. Confira a entrevista em texto e vídeo.
Teia de Notícias: As escolas estão realmente preparadas para receber os alunos de volta?
Marcelo Oliveira: Essa é uma pergunta que todos tem feito. Nós temos uma rede com 433 escolas. Dessas quase todas estão completamente adaptadas. Foram feitos os investimentos necessários para ajustar as instalações físicas das escolas às imposições dos protocolos sanitários para propiciar um retorno seguro das atividades. Temos hoje nove escolas que não tem essa condição de serem ajustadas. Esses alunos serão transferidos para serem recebidos por outras unidades escolares. Porque não temos como preencher os requisitos necessários para atender aos protocolos. São apenas nove unidades num universo de 433. Mas essas crianças não serão prejudicadas de jeito nenhum porque elas vão estudar em outras unidades próximas e nós vamos prover o transporte escolar para elas.
Teia: Então o senhor garante que as unidades passaram por uma adequação e investimentos capazes de garantir a higienização, o distanciamento e todas as medidas de segurança para os alunos e educadores?
Marcelo Oliveira: É como eu disse, temos apenas nove escolas que não estão adequadas e todas as demais já sofreram as intervenções necessárias, que são aquelas que melhoraram a ventilação nas salas de aula, instalação de lavatórios para a higiene das mãos, dispensadores de álcool gel, enfim todos esses mecanismos que a gente teve que providenciar.
Teia. Secretário, estamos diante de um impasse sobre o retorno das aulas. De um lado a prefeitura anuncia a retomada das atividades presenciais nas escolas. Do outro a APLB Sindicato bate pé firme e diz que a categoria só volta para a sala de aula com 100% vacinação, e com as duas doses. Então o que está sendo feito para chegar um consenso sobre isso para evitar uma greve?
Marcelo Oliveira: O que estamos fazendo muito é dialogar. Temos que conversar e convencer a categoria com nossos argumentos com relação ao baixo risco de contágio da Covid na atividade escolar presencial. Muitos estudos têm sido feito no mundo inteiro apontando que o retorno às aulas, mesmo em tempo de pandemia, não tem influência sobre a curva de contágio. Foram estudos amplos, feitos em 191 países, que retomaram as atividades nas escolas. Esses estudam constatam que as crianças, quando elas contraem o vírus, e são raros os casos, elas não desenvolvem a forma mais grave da doença. Também são raríssimos os casos também que acontecem. Tanto isso é verdade que não previsão de vacinação para jovens abaixo de 19 anos, muito menos de crianças. Não existem nem estudos vacinais para este público. Havia também a preocupação de que essas crianças, embora não desenvolvessem casos mais graves, elas poderiam contaminar os professores ou os idosos que moram em suas casas. Mas hoje estamos em uma situação diferente, na qual todos os idosos acima de 60 anos já estão vacinados. Tem também os trabalhadores da educação, incluindo agentes de portaria, merendeira, diretores, todos serão vacinados, aqueles com a idade superior a 40 anos. Tem também a questão do regime que a escola vai funcionar, que é de forma alternada. A metade dos alunos vai para escola dias de segunda, quarta e sexta. E a outra metade vai na terça e quinta. Na semana seguinte alterna. Os que foram segunda, quarta e sexta na semana anterior irá dessa vez terça e quinta. Então os alunos terão cinco dias de aula a cada duas semanas. Ao contrario do regime normal que os alunos tem cinco dias de aula por semana. Então isso também não vai mexer na carga horaria do professor. O pressor vai se deparar na sala de aula com 15 alunos apenas na sala de aula, o que vai permitir esse afastamento físico, além do que o recreio será em horários intercalados. Cada turma terá seu horário. O lanche será servido na própria sala de aula. E com a vacinação dos professores, estamos falando de 80% do quadro estarão vacinados até o fim dessa semana. Oitenta por cento. Só vão ficar de fora aqueles menos de 40 anos, que é um público mais novo.
Teia: (interrompe) Mas só a primeira dose, não é?
Marcelo Oliveira: Sim, mas mesmo com a primeira dose, estudos têm sido feitos com o propósito de analisar o efeito da vacina sobre a produção dos anticorpos que combatem o vírus. E os estudos tem apontado, no caso da Astrazeneca, que tem o maior prazo de intervalo entre uma dose e outra, com seis semanas em média o sistema imunológico já apresenta resistência à doença. Então não há razão para se esperar a segunda dose. Cada dia que passa essas crianças perdem na sua vida escolar. Temos um ano de 2020 praticamente perdido. NO ano de 2021 já estamos aproximando do quinto mês. Então se formos esperar ser vacinados todos, não há vacina disponível. Não por falta de vontade do prefeito ou do secretário. O plano de vacinação é nacional. É oriundo do Ministério da Saúde. O que conseguimos foi o que considero um avanço é estender a vacina para os professores acima de 40 anos, o que vai acontecer ainda essa semana.
Teia: Dentro dessa linha de diálogo com o sindicato, como tem sido a reação deles diante do seu apelo e do apelo do prefeito para o retorno às salas de aula?
Marcelo Oliveira: Olha, Gusmão, o sindicato faz o papel dele. Ele defende uma posição, mas os argumentos, os fatos, as iniciativas da administração municipal têm mostrado que nós estamos cumprindo com a nossa proposição de levar os alunos e professores para um ambiente seguro. E eu posso afirmar que as escolas, de forma com que foram preparadas, elas serão ambientes muito mais seguros do que os ambientes em que as crianças hoje estão. Elas estão em casa, os pais precisam sair para trabalhar em busca da sobrevivência. Essas crianças ficam em suas comunidades em contato com outras crianças de uma forma não ordeira, tendo contato com adultos, com passantes. Da mesma forma que os professores também estão transitando na cidade, estão indo no supermercado, na farmácia, na banca de revista. Então eles também estão expostos ao coronavírus. Mas na escola, com 15, 16 alunos, todos com máscaras, sem a permissão de adultos na escola. Então não há razão objetiva para se rejeitar o retorno às aulas presenciais. Agora permanecer sem aula presencial significa condenar o futuro dessas crianças, que são sobretudo crianças de origem humilde, que não tem outra oportunidade na vida de ascensão na vida que não seja por uma boa educação básica.
Teia: O retorno é obrigatório para os professores?
Marcelo Oliveira: Eles são funcionários da rede e eles serão convocados a ocupar suas posições. Esperamos que cumpram com seu dever, apelando para a consciência de cada um, para sua vocação de educador, para a necessidade premente de nossas crianças, que não tem outra alternativa a não ser contar com esses profissionais.
Teia: Numa hipótese de os números da pandemia voltarem a ficar desfavoráveis, Deus queira que não, mas isso ocorrendo, vocês têm um plano de novo fechamento? E também assumir o ônus?
Marcelo Oliveira: Veja, Gusmão, o que nós estamos nos antecipando com relação a essa preocupação, é respondendo: será que esse retorno as aulas vão aumentar os números de contágio? Então tomamos uma providência desde o início do ano, que foi firmar um convênio com a Universidade Federal da Bahia, tendo uma equipe multidisciplinar composta de acadêmicos, estudiosos, professores, profissionais da área de saúde, médicos, infectologistas, assistentes sociais, economistas e estatísticos para fazer um monitoramento, um acompanhamento da curva de contágio após o retorno sobre o universo influenciado pelas escolas. Então se os números mudaram no ambiente da escola e isso não aconteceu no resto do mundo, nós vamos rever a nossa ideia.
Teia: Secretário, essa pandemia escancarou as desigualdades existentes em todas as áreas, sobretudo a desigualdade de aprendizado entre os alunos da rede pública e da rede particular. O senhor acha que há expectativa de devolver a esse aluno o que ele perdeu nesse período longe da escola?
Marcelo Oliveira: Nós temos um plano pedagógico de retomada das atividades que pressupõe o ensino híbrido. Os alunos vão ter o ensino presencial nessa forma alternada e vão ter um complemente com o ensino remoto. Fizemos uma programação de um currículo contínuo de 2020/2021. Vamos fazer dois anos em um. Então começamos em fevereiro e esperamos terminar no final de dezembro, talvez entrando um pouquinho no mês de janeiro. E esperamos voltar 2022 com o ensino completamente presencial. Mas temos também alguns projetos com esse propósito de diminuir essa desigualdade para melhorar o desempenho do aprendizado dessas crianças. Nessa questão do ensino remoto esbarramos em uma circunstância que é o fato dessas crianças não terem acesso à rede de computadores, seja porque não tem acesso a uma rede de dados ou um dispositivo de acesso à internet, o que dificultou-se sobremaneira. Portanto nosso ensino remoto se baseou nas aulas da tevê. Por isso temos um projeto, e eu vou te passar aqui, Gusmão, em primeira mão, que é oferecer para cada aluno em 2021 um tablet. E para cada professor a gente dará um Chromebook, que é um notebook mais leve e que tem uma bateria que dura muito mais para que eles possam realmente fazer essa interação remota via rede de computadores com um portal pedagógico, com atividades com aulas gravadas, lista de exercícios. Uma ferramenta que tem o propósito de diminuir essa desigualdade que você citou entre os oriundos da famílias mais humildes, da rede pública e daqueles das famílias mais abastadas.
Teia: Certamente, secretário, no retorno as aulas, vocês vão se deparar com uma população de alunos bem diferente da que vocês deixaram no ano passado. Vocês vão encontrar alunos com alterações psicológicas e cerebrais por conta de tanto tempo distante da escola. É a questão da saúde mental dessas crianças. Vocês têm preparado algo para prestar apoio a esses alunos?
Marcelo Oliveira: Veja, nós temos em nossa rede 163 mil alunos. É claro que a gente espera que esses alunos retornem às escolas com outros tipos de dificuldades diferentes do nosso cotidiano, dificuldades essas que já não são poucas. Então temos que fazer esse acolhimento dessas crianças, recebê-las, identificar as suas dificuldades. Temos uma série de projetos na Secretaria de Educação com esse propósito de dar apoio a essas crianças e melhorar suas condições psicoemocionais. Hoje em dia a educação socioemocional toma um local de destaque no Ensino Fundamental. Estamos muito atentos a essa questão e esperamos contar com o apoio das demais secretarias municipais e vamos enfrentar mais esse desafio. Agora insisto. O retorno às aulas é premente. É uma necessidade e precisa ser feito o mais rápido possível.